O impacto da segregação residencial na mobilidade econômica: explorando as redes sociais de moradores de três bairros pobres em Salvador da Bahia (Brasil) a partir do conceito efeito-território

AutorStephan Treuke
CargoDoutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia
Páginas62-78
Stephan Treuke
O impacto da segregação residencial na mobilidade econômica...
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O impacto da segregação residencial na mobilidade econômi-
ca: explorando as redes sociais de moradores de três bairros
pobres em Salvador da Bahia (Brasil) a partir do conceito efei-
to-território
Stephan Treuke
Doutorando no Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais, Universidade Federal
da Bahia
RESUMEN
El estudio investiga sobre el impacto del
efecto vecindario, es decir, las desventajas
socioeconómicas que afectan la vida de personas
pobres en virtud de su inserción en contextos de
vecindario especícos, contrastando tres barrios
segregados en Salvador. Se identican procesos
de segregación dentro de la organización socio
espacial de la ciudad, los que se expresan en
el acceso desigual al mercado de trabajo, a la
vivienda, a la educación y a los servicios públicos.
Se examina el impacto del efecto vecindario en
la movilidad económica a partir del análisis de
redes sociales.
Palabras-clave: Efecto vecindario, Seg-
regación Residencial, Redes Sociales.
RESUMO
Indaga-se sobre a incidência do efeito-
território, entendido como as desvantagens
socioeconômicos acometidos na vida de pessoas
pobres em função da sua inserção em especícos
contextos de vizinhança, contrastando três
bairros segregados em Salvador. Identicam-se
processos de segregação dentro da organização
socioespacial da cidade, redundando em acessos
desiguais ao mercado de trabalho, à moradia, à
educação e aos serviços públicos. Examina-se
o impacto do efeito-território na mobilidade
econômica a partir da análise de redes sociais.
Abstract
This study analyzes the neighborhood eects
on the economic mobility of the inhabitants
of three segregated neighborhoods in Salvador,
in other words the socio-economic disadvantages
aecting the lifes of poor people due to their
embeddedness in specic neighborhood
contexts. It identies the processes of segregation
in Salvador’s socio-spatial organization, fostering
inequities in the access to labour market, housing,
education and public services, and examines the
impact of neighborhood eects in the economic
mobility from a network perspective.
Artículos Libres
ALAS | Controversias y concurrencias latinoamericanas Vol. 9 N°14 -Enero-Junio- 2017 | www.sociologia-alas.org [ 63 ]
Introdução
Estudos inseridos na interface entre a análise
estrutural do espaço e a observação dos
padrões interacionais entre indivíduos ou grupos
sociais nas grandes cidades remontam às reexões
de Georg Simmel (1983 [1903]), postulando que
as redes de sociabilidade em contextos urbanos
se fundamentam em uma grande quantidade de
vínculos secundários, heterogêneos em conteúdo,
fracos em intensidade e não necessariamente
organizados territorialmente, congurando o
estilo posterioramente rotulado por Louis Wirth
(1987 [1938]) de “urbanismo como modo de
vida”.
Já para Robert E. Park (1987 [1915]), partindo
de uma interpretação ecológica-funcionalista
de segregação1 que agrega em “áreas naturais”
determinados grupos sociais conforme
critérios raciais, étnicos e culturais, os laços de
vizinhança tendem a abstrair do seu caráter
íntimo e permanente na urbe, mas não perdem
sua importância analítica nem seu potencial de
conito.
1 Diante da pluralidade de leituras (combinatórias) do conceito
de segregação cabe restringir seu uso epistemológico neste
trabalho ao que Castells (1983) dene como “a tendência à
organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social
interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo esta
disparidade compreendida não só em termos de diferença, como
também de hierarquia.” (p. 210) É importante frisar que no
quadro deste trabalho o conceito é compreendido como reexo de
estruturas de dominação de classes espelhando as estraticações
socioeconômicas, que engendram diferentes padrões de
concentração involuntária de populações em determinados
espaços (Marcuse, 2004). A dimensão da segregação a partir da
categoria analítica de raça, conquanto constituía inegavelmente
um valioso critério para o preenchimento de posições na estrutura
de classe, bem como nas dimensões distributivas da estraticação
da sociedade brasileira, será excluída da discussão a seguir. Esta
escolha metodológica não reete a falta de reconhecimento do
autor com respeito à forte incidência da categoria “raça” e da sua
pertinência analítica no caso de Salvador, cruzada com variáveis
econômicas em diferentes pesquisas. Estas assinalam pela forte
proporção da população afro-brasileira em bairros pobres/
populares enquanto nos bairros da classe média e alta predomina
a população branca (Carvalho & Pereira, 2014).
Diversos autores (Massey & Denton, 1993;
Small & Newman, 2001) têm desde então
apontado pelas desvantagens estruturais que
resultam do isolamento socioespacial de
especícas localidades, chamando a atenção pela
estreiteza das redes de sociabilidade, constituídas
preponderantemente de strong ties (Granovetter,
1982), tecidas entre indivíduos pobres inseridos
em contextos de vizinhança de composição social
homogênea. Estes se articulariam em relações
redundantes que reforçam a coesão intragrupal
em vez de estimular a conexão com redes externas
menos densas e com maior grau de heterolia
(Briggs, 2003).
Destaca-se neste contexto a obra seminal de
Wils on e truly disadvantaged (1987), observando
a superposição de externalidades negativas2
provocadas por determinadas idiossincrasias
sociais dos ghettos norteamericanos que
prejudicam processos de mobilidade econômica
dos seus habitantes. O autor conclui sustentando
que um maior patamar de homogeneidade
social interfere desfavoravelmente na extensão e
diversidade dos contatos sociais de um indivíduo
pobre em relação à classe média.
Outrossim, Kaztman e Filgueira (2006)
conrmam que a concentração involuntária
de pobres em áreas segregadas de Montevidéu
(Uruguai) acentua os mecanismos de reprodução
da pobreza, em ausência de referências externas.
Destarte, o efecto vecindario incide sobre o acesso
a estruturas de oportunidades3, à medida que
restringem os horizontes e perspectivas dos seus
moradores às experiências locais permeadas
por muitas privações e norteadas em padrões
comportamentais pouco exitosos.
Contudo, pesquisadores do Centro dos Estudos
da Metrópole asseveram que a contiguidade
geográca entre favelas e bairros da classe
média-alta nas grandes cidades brasileiras
inuencia favoravelmente na interação entre os
grupos socialmente distantes ao proporcionar
determinadas vantagens de mobilidade
2 O termo “externalidades negativas” remete, neste contexto, à
exposição de moradores de localidades marcadas por altas taxas de
pobreza a uma cumulação de riscos (insalubridade e precariedade
da moradia, degradação ambiental, violência, ríspida abordagem
pela polícia, entre outros) e fatores negativos (isolamento físico/
institucional/político, desemprego estrutural, baixo desempenho
escolar, delinquência juvenil, discriminação do local, entre outros)
relacionadas ao lugar de residência que favorecem a perpetuação
da situação precária.
3 Conforme Kaztman e Filgueira (1999), o conceito de estruturas
de oportunidades “alude ao fato de que os canais para o bem-estar
estão estreitamente vinculados entre si, de modo que o acesso a
determinados bens, serviços ou atividades provê recursos que por
sua vez facilitam o acesso a outras oportunidades.” (p. 9)

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